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Ver’de Constrangimento.

Foto do escritor: Valéria MonteiroValéria Monteiro

Primeiro a reportagem da Globonews sobre no Xingu. Depois, o especial da BBC sobre a preparação de Belém para a COP30. As duas reportagens penetraram minha alma brasileira com um constrangimento crescente e um desânimo profundo diante de uma política que insiste em não aprender com os próprios erros.


É duro reconhecer que, mesmo num governo que se apresenta como defensor do meio ambiente, as práticas continuam refletindo os mesmos vícios de sempre: a floresta como obstáculo ao progresso, os povos originários como estorvo ao “desenvolvimento”, e a natureza como moeda de troca para negócios que interessam mais aos bolsos do que aos eleitores.


O presidente Lula, em fevereiro de 2024, durante uma cerimônia no Pará, voltou a afirmar que Belo Monte é “motivo de orgulho”. Um tapa na cara de quem votou nele acreditando que justamente essa experiência, marcada por duras críticas, tivesse se transformado em aprendizado.


A usina, planejada em seu segundo mandato e construída sob Dilma Rousseff, foi desde o início um projeto marcado pela violência contra os povos indígenas, pela supressão de vozes críticas e pela destruição de um ecossistema único. O que deveria gerar energia limpa para o país opera com menos da metade da capacidade prometida, mas com 100% das consequências para quem foi deixado para trás.


A jornalista Eliane Brum, que vive em Altamira — cidade mais afetada pela usina —, escreveu com precisão:

“Lula sabe que Belo Monte é um crime. Mas continua a defendê-la como quem protege um erro que não quer admitir. O problema é que esse erro mata — e segue matando.”


Não bastasse o passado que se recusa a ser revisto, o presente já denuncia o que virá adiante. A COP30, que poderia ser uma oportunidade histórica para o Brasil liderar com coerência a agenda climática, está sendo construída sobre floresta derrubada.

Cop 30 no Brasil 2025 Valéria Monteiro

Sim, você leu certo. Segundo investigações da BBC e do site Sumaúma, mais de 20 mil hectares de floresta amazônica foram destruídos nos arredores de Belém, em nome da infraestrutura para a conferência. Estradas abertas sem estudos ambientais adequados, especulação imobiliária acelerada, e remoções de comunidades tradicionais fazem parte do pacote.


O governo do Pará — o mesmo que estampa discursos sobre “transição ecológica” — tem liberado projetos que estimulam o desmatamento em áreas que deveriam ser preservadas. A cidade que receberá líderes globais para discutir o futuro do planeta está, neste exato momento, permitindo a destruição do presente.


E como se não bastasse, há ainda o avanço silencioso da exploração de petróleo na Margem Equatorial da Amazônia. Uma ameaça real a biomas ainda pouco estudados, que foi barrada pelo Ibama, mas continua sendo pressionada por dentro do próprio governo, sempre em nome do tal “progresso”.


É aqui que a analogia se impõe, quase sem esforço neste mês das mulheres. A Mãe Terra tem sido tratada com o mesmo descaso e brutalidade com que tantas mulheres são tratadas mundo afora. Uma lógica extrativista, patriarcal, agressiva. “Drill, baby, drill” — perfure, explore, sugue até o fim — como se o planeta fosse um corpo sem alma, sem história, sem dor. Como se pudesse ser violentado impunemente.


O que me incomoda, profundamente, é a hipocrisia. A encenação. O marketing verde para agradar plateias internacionais, enquanto aqui dentro os velhos pactos seguem intactos. É como aquele cidadão que vai à igreja todo domingo para comprar sua absolvição, mas não muda um comportamento sequer durante a semana. Vai, confessa, paga sua culpa — e repete os pecados com a consciência tranquila.


O Brasil não pode continuar usando a Amazônia como altar para seus discursos enquanto sacrifica diariamente sua biodiversidade, sua gente, sua alma.


Não se trata de atacar um governo ou defender outro. Trata-se de exigir coerência. Coerência entre o que se diz e o que se faz. Coerência entre a imagem que vendemos e a realidade que vivemos. Coerência, sobretudo, com a história — e com o futuro.


Porque se nem isso formos capazes de oferecer — verdade, respeito, responsabilidade — então cabe a pergunta: orgulho de quê?


Ver’de Constrangimento.

Valéria Monteiro Jornalista.


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