A Procuradoria-Geral da República finalmente apresentou a denúncia contra Jair Bolsonaro pelo planejamento de um golpe de Estado. O relatório aponta que o ex-presidente e seus aliados estavam prontos para romper com a democracia, mas foram impedidos pela resistência de um ministro militar que não compactuou com a trama. Sim, a frágil linha entre o Estado de Direito e a ditadura foi mantida não por uma explosão de consciência coletiva, mas pela negativa de um único homem em seguir adiante com a ruptura.
Agora, a pergunta que fica: isso deveria ser considerado um ato de heroísmo?
O Brasil não tem o hábito de exaltar aqueles que impedem tragédias políticas e institucionais, ao contrário do que acontece em outros países. Aqui, frequentemente, o valor de certas atitudes só é reconhecido quando já é tarde demais. Mas há uma diferença essencial entre heroísmo e mera ausência de cumplicidade. Impedir um golpe de Estado não deveria ser um ato de coragem — deveria ser o mínimo esperado de qualquer autoridade comprometida com o país. No entanto, no Brasil de Bolsonaro, onde a covardia de quem se sentia amparado pelo poder político e financeiro levou muitos a flertarem com o abismo, o simples fato de dizer “não” ao autoritarismo já se destaca como uma raridade.
É preciso deixar claro que a tentativa de golpe, por si só, já é um crime contra o Estado. Não é preciso que tanques estejam nas ruas ou que a Constituição seja formalmente rasgada para que um atentado à democracia tenha ocorrido. O planejamento, a articulação e a mobilização para uma ruptura já configuram uma ameaça real, e seus responsáveis devem ser julgados e punidos à altura da gravidade de seus atos.

Esse episódio revela o quão perto estivemos de ver nossa democracia ruir por um capricho, um delírio de grandeza sustentado por conveniências e bajulações. E, acima de tudo, escancara o perigo dos que confundem poder com impunidade, acreditando que a força pode substituir a legitimidade.
Mas há algo ainda mais profundo a se considerar. Nossa democracia não pode continuar dependendo de atos isolados para sobreviver. Se quisermos um país que nunca mais corra esse risco, precisamos fortalecer a única base realmente sólida contra o autoritarismo: uma educação de qualidade. Um povo instruído, que compreenda todas as consequências da ruptura do Estado de Direito, não precisa de heróis de última hora para impedir um golpe — porque uma sociedade consciente jamais permitiria que tal ameaça chegasse tão longe.
Além da educação, há outras frentes fundamentais para garantir que não voltemos a esse ponto crítico. O fortalecimento das instituições democráticas é essencial, o que passa por um Judiciário independente, um Legislativo que cumpra seu papel de fiscalização e um Executivo comprometido com a Constituição. A transparência na gestão pública e a garantia de liberdade de imprensa também são pilares indispensáveis para que a sociedade tenha acesso à verdade dos fatos e não se torne refém de desinformação e discursos autoritários.
E, talvez o mais importante: é preciso que o próprio povo brasileiro assuma seu papel na defesa da democracia. O engajamento político deve ser constante, e não apenas em períodos eleitorais. A democracia se protege com participação ativa, com cidadãos que cobram seus representantes, denunciam abusos e se recusam a normalizar atentados contra as regras do jogo democrático.
No fim das contas, um país que depende de heróis para impedir golpes é um país frágil. O verdadeiro fortalecimento democrático acontece quando a sociedade, como um todo, constrói bases tão sólidas que nem golpes são tentados — porque simplesmente não encontram espaço para prosperar.
O golpe tramado – e a democracia à beira do abismo.
Valéria Monteiro Jornalista.
Parabéns pela análise. Cultivar os métodos democráticos em todas as instâncias de decisão das instituições fortalece as mesmas. A sociedade só tem a ganhar com instituições que podem contar com a participação de todos seus colaboradores.