O recente lançamento do túnel do Guarujá reuniu dois dos principais protagonistas da política nacional: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. O evento, que deveria ser um marco para a infraestrutura do país, acabou evidenciando uma tensão latente dentro dos próprios grupos políticos que ambos representam. Para os eleitores mais apaixonados, a troca de amabilidades entre os dois líderes foi vista como uma traição. No entanto, esse episódio revela um aspecto fundamental da política: a necessidade de diálogo, mesmo entre adversários.
Nos últimos anos, o Brasil testemunhou a ascensão de dois movimentos políticos polarizados e fortemente identificados com figuras específicas: o Bolsonarismo e o Lulismo. O primeiro, liderado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, se baseia em valores de conservadorismo moral, combate à corrupção (ainda que sem total coerência) e uma postura de confronto com instituições democráticas. O segundo, personificado por Lula, tem como pilares a inclusão social, o fortalecimento do Estado e a mobilização das classes populares. Ambos os movimentos geram identificação instantânea em seus apoiadores, mas também carregam contradições e desafios que merecem reflexão.
Bolsonarismo: Entre a Identidade e a Reflexão Necessária
O Bolsonarismo tornou-se mais do que um apoio político; virou um rótulo assumido com orgulho por muitos brasileiros. Sua popularidade se deve ao discurso direto e sem filtros de Bolsonaro, que se apresenta como um homem do povo em oposição ao “sistema”. No entanto, a defesa de torturadores, a proximidade com milícias e o questionamento de valores democráticos levantam dúvidas sobre a real compatibilidade desse movimento com os princípios que muitos de seus apoiadores defendem.
A polarização extrema levou a um engajamento cego de parte dos eleitores, que veem qualquer forma de diálogo com o adversário como uma fraqueza ou traição. O caso de Tarcísio, ao interagir cordialmente com Lula, ilustra esse dilema: a governabilidade exige pragmatismo, mas a base bolsonarista interpreta isso como rendição ao inimigo.

Lulismo: Entre a Identidade e a Reflexão Necessária
Da mesma forma, o Lulismo consolidou-se como um fenômeno político que vai além do PT e da esquerda tradicional. Lula se tornou símbolo da ascensão social e da inclusão das classes populares no debate político. No entanto, alianças questionáveis e escândalos de corrupção criaram um paradoxo entre o discurso e a prática.
Assim como no Bolsonarismo, a devoção ao líder muitas vezes impede reflexões críticas. No episódio do túnel do Guarujá, a base lulista também reagiu negativamente à postura amigável de Lula com Tarcísio, interpretando-a como condescendência com um possível adversário em 2026. Essa rejeição ao diálogo, porém, pode prejudicar o próprio avanço das políticas públicas e a consolidação da democracia.
O Perigo da Polarização Cega
O caso do túnel do Guarujá é emblemático porque mostra que, para muitos eleitores, a política deixou de ser um espaço de construção coletiva para se tornar um campo de batalha onde qualquer gesto de conciliação é visto como traição. No entanto, a história mostra que as maiores transformações ocorrem quando há disposição para o diálogo, mesmo entre adversários.
Bolsonaristas e Lulistas deveriam se perguntar: é possível apoiar um projeto político sem cair na armadilha do fanatismo? A democracia se fortalece na reflexão crítica e na abertura para mudanças, e não na idolatria cega a qualquer líder. O futuro do Brasil depende da capacidade de seus cidadãos de questionar, aprender e evoluir politicamente, sem medo de revisar suas convicções.
No fim das contas, o verdadeiro ato de traição não é o diálogo, mas a recusa em enxergar a complexidade da realidade política.
Lula, Tarcísio e o Dilema da Amabilidade Política.
Valéria Monteiro Jornalista.
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