
A comunicação é a espinha dorsal da política. Governos e políticos têm o dever de transmitir informações claras, coerentes e detalhadas, especialmente quando o tema envolve o dia a dia da população. No entanto, quando o discurso entra em contradição com as ações e a comunicação é truncada, cria-se um ambiente ideal para a desinformação. A recente polêmica sobre a “taxação do PIX” é um exemplo emblemático dessas falhas e das incoerências que as acompanham.
O discurso que não convenceu
O governo justificou a proposta de regulamentação do PIX como uma forma de combater a evasão fiscal e rastrear grandes movimentações financeiras que fogem ao controle da Receita Federal. O discurso prometia proteger os pequenos trabalhadores informais e atingir apenas movimentações significativas, realizadas por empresas ou pessoas físicas com alta capacidade econômica.
Na prática, contudo, a proposta foi apresentada sem clareza, deixando brechas que geraram desconfiança. Ao não detalhar os critérios de aplicação, o governo abriu espaço para que a ideia fosse interpretada como uma taxação generalizada, penalizando tanto os grandes quanto os pequenos usuários do sistema. Essa falta de transparência, somada à ausência de um plano claro, alimentou rumores, notícias falsas e críticas de todos os lados, ampliando a crise de confiança.
A incoerência exposta pelo caso do PIX
Um caso emblemático ilustra a necessidade de regulamentação: um senhor aposentado, com renda mensal pouco superior a R$ 2.000, movimentou mais de R$ 700.000 pelo PIX. Após investigação, descobriu-se que o dinheiro era proveniente das atividades ilícitas do marido traficante de sua filha, que usava a conta do idoso para escapar do monitoramento financeiro.
Este caso revela um ponto crucial: o PIX, uma ferramenta acessível e amplamente utilizada pela população, pode ser um instrumento para crimes financeiros e evasão fiscal quando não regulamentado. No entanto, a incoerência entre o discurso do governo e sua proposta trouxe dúvidas legítimas: como evitar que situações como essa aconteçam sem onerar os pequenos trabalhadores informais que dependem do PIX para sobreviver?
O que aconteceu depois?
Diante da repercussão negativa e da pressão pública, o governo retirou a proposta de taxação. Mas o recuo não resolve o problema de fundo. Sem regulamentação, o PIX continuará vulnerável a abusos, enquanto a maioria da população segue sobrecarregada pela alta carga tributária que não atinge os grandes sonegadores.

O desafio agora é criar uma regulamentação que seja:
1. Justa e proporcional: Proteger os pequenos empreendedores e trabalhadores informais, que usam o PIX como ferramenta de subsistência, garantindo que não sejam prejudicados por taxas ou burocracias desnecessárias.
2. Eficiente contra a evasão fiscal: Desenvolver mecanismos para monitorar grandes movimentações financeiras incompatíveis com a renda declarada, como no caso do aposentado citado, sem infringir direitos constitucionais ou promover perseguições arbitrárias.
3. Clara e transparente: Comunicar de forma detalhada e acessível quais movimentações serão alvo de regulamentação, de modo que a população compreenda quem será impactado e por quê.
4. Constitucional: Garantir que qualquer medida respeite os princípios da privacidade e da proporcionalidade, evitando que o sistema se torne excessivamente invasivo.
Como evitar novos erros?
O episódio da taxação do PIX expõe uma lição fundamental: medidas que envolvem o cotidiano da população precisam ser comunicadas com clareza e consistência. Informações truncadas e discursos contraditórios não apenas geram desinformação como também alimentam a polarização e a desconfiança.
Mais do que retirar uma proposta mal explicada, o governo precisa apresentar alternativas viáveis e se comprometer com um diálogo transparente e inclusivo. É necessário preencher os vazios com informações claras e ações coerentes, garantindo que ferramentas como o PIX não se tornem tanto um facilitador de crimes quanto um fardo para quem mais precisa dele.
Sem essa clareza, a pergunta que fica é: como o governo pretende enfrentar o uso abusivo do PIX sem prejudicar os pequenos? Afinal, se o objetivo é arrecadar recursos para o desenvolvimento do país, é indispensável que as regras sejam justas, eficazes e compreensíveis para todos.
Informações Truncadas e Contradições: O Caso da Taxação do PIX.
Valéria Monteiro Jornalista.
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