top of page

Pesquisas Eleitorais Especulativas:

Fabricando Candidaturas e Eliminando Alternativas Antes Mesmo do Ano Eleitoral.

Pesquisas Eleitorais Especulativas:

Antes mesmo do início oficial de um ciclo eleitoral, pesquisas começam a ser divulgadas testando cenários e nomes que, muitas vezes, sequer anunciaram intenção de disputar o pleito. Essas pesquisas, que deveriam servir para medir o sentimento do eleitorado, acabam desempenhando um papel maior: influenciam a percepção pública sobre quais candidaturas são viáveis, criam ou inviabilizam nomes e reforçam desigualdades no acesso à disputa. Mas qual é o impacto real dessa prática?

Criando e Eliminando Candidaturas Pelo Poder da Pesquisa

Uma pesquisa eleitoral deveria refletir um retrato realista do cenário político, mas, na prática, muitas vezes ela determina esse cenário. A escolha de quais nomes aparecem — ou não — pode ser decisiva para o futuro de uma eleição.

Muitas pesquisas precoces incluem nomes que não passaram por qualquer processo político natural, como participação em debates internos de partidos ou movimentação clara de pré-campanha. Isso pode acontecer por diversos motivos:
• Popularidade midiática: Figuras conhecidas, como apresentadores de TV ou influenciadores digitais, são incluídas mesmo sem manifestação real de interesse em concorrer.
• Testes estratégicos: Grupos políticos ou econômicos colocam nomes em pesquisas para avaliar sua viabilidade eleitoral, muitas vezes sem que o próprio “candidato” tenha considerado a disputa.
• Exclusão deliberada: Enquanto alguns nomes são testados sem base concreta, outros que já se movimentam politicamente são ignorados, contribuindo para sua inviabilização.

O efeito prático dessas escolhas é significativo. Se um nome aparece bem posicionado, mesmo sem ser oficialmente candidato, ele pode ser pressionado a entrar na disputa. Por outro lado, se um nome é ignorado, torna-se mais difícil para ele conquistar apoios, viabilizar coligações e captar recursos para a campanha.

O Caso das Eleições de 2022: O “Jogo de Dois”

Um exemplo claro do impacto das pesquisas especulativas ocorreu nas eleições presidenciais de 2022. Desde a pré-campanha, a maioria dos levantamentos restringia a disputa entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o então presidente Jair Bolsonaro, consolidando a percepção de que o pleito estava inevitavelmente polarizado entre esses dois nomes.

Isso teve um impacto direto sobre candidaturas alternativas. Mesmo políticos experientes, como Ciro Gomes e Simone Tebet, tiveram dificuldades para se viabilizar. Muitos eleitores nem sequer consideravam votar neles porque, segundo as pesquisas, a eleição já estava “decidida” entre Lula e Bolsonaro.

Além disso, algumas pesquisas incluíam nomes de candidatos meramente especulativos, misturando opções concretas com possibilidades hipotéticas. Isso reforçou a percepção de que qualquer alternativa fora da polarização era incerta ou irrelevante. Mesmo quando Tebet conseguiu algum destaque nos debates, já era tarde para quebrar essa estrutura.

Esse fenômeno mostra como a forma como pesquisas são conduzidas pode moldar não apenas a percepção do eleitor, mas também a própria dinâmica eleitoral.

O Direito de se Candidatar e a Desigualdade na Disputa

A Constituição Federal garante que qualquer cidadão pode se candidatar a um cargo público, desde que cumpra os requisitos legais. No entanto, na prática, há uma enorme desigualdade de condições entre as candidaturas.

Pesquisas eleitorais, ao escolher quais nomes serão incluídos nos levantamentos iniciais, contribuem para essa desigualdade. Se um candidato de um partido pequeno e sem recursos não aparece nas pesquisas, ele dificilmente conseguirá espaço na mídia, apoio de lideranças políticas ou doações para sua campanha.

Isso gera um paradoxo: enquanto candidatos de grandes partidos, com estrutura e apoio, são automaticamente incluídos nas pesquisas, candidatos independentes ou de legendas menores enfrentam barreiras invisíveis que limitam sua viabilidade. Assim, a promessa democrática de que qualquer pessoa pode concorrer acaba esbarrando na realidade de um sistema que favorece sempre os mesmos perfis.

Transparência e Responsabilidade nas Pesquisas

Para que pesquisas eleitorais cumpram seu papel de retratar o cenário político, e não de moldá-lo artificialmente, é fundamental que sejam conduzidas com transparência e critérios mais equitativos.

Algumas medidas que poderiam ser adotadas incluem:
• Critérios objetivos para inclusão de candidatos nas pesquisas, priorizando aqueles que já demonstraram intenção de concorrer, e não apenas os que são populares ou estratégicos para determinados grupos.
• Maior diversidade de cenários testados, evitando a cristalização de uma narrativa única antes mesmo do início oficial da disputa.
• Regulação mais clara sobre pesquisas eleitorais precoces, garantindo que não sejam usadas como ferramentas para influenciar artificialmente o eleitorado.

Além disso, o eleitor deve estar atento ao contexto em que essas pesquisas são divulgadas. Quem está por trás do levantamento? Os nomes incluídos fazem sentido dentro do cenário político? Há algum interesse oculto na escolha de determinados candidatos?

Em uma democracia de verdade, todos devem ter a mesma oportunidade de disputar uma eleição — não apenas aqueles que foram escolhidos para aparecer nas pesquisas desde o início. Caso contrário, corremos o risco de ver candidaturas sendo fabricadas ou descartadas antes mesmo que os próprios candidatos saibam que estão na disputa.

Valéria Monteiro Jornalista.

Valéria Monteiro Jornalista.

04/02/25
bottom of page