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A Crise da Democracia Interna nos Partidos:

Considerações a Partir da Convenção Nacional do PV.
Por Valéria Monteiro.

A Crise da Democracia Interna nos Partidos:

No início deste mês, durante a Convenção Nacional do Partido Verde (PV) para eleger a nova diretoria nacional, assistimos a um exemplo claro de como a estrutura dos partidos políticos no Brasil reflete uma crise de democracia interna. Embora o PV tenha se posicionado historicamente como um partido comprometido com valores éticos e sustentáveis, as disputas internas evidenciam os mesmos problemas que permeiam outras legendas: centralização do poder, manipulação de brechas regimentais e práticas que distanciam as decisões das bases militantes.

O que deveria ser um espaço de debate plural e democrático, capaz de fomentar novas ideias e propostas para o país, muitas vezes se transforma em uma arena para perpetuar interesses privados. Votos biônicos, utilizados estrategicamente durante convenções, são um exemplo disso. Esses mecanismos, aliados à priorização de interesses financeiros e alianças fisiológicas, enfraquecem o propósito central dos partidos: representar a sociedade e promover a transformação social.

Real Politicking e o Descrédito da Política

O fenômeno amplamente conhecido como real politicking — a aceitação naturalizada de práticas fisiológicas em nome da sobrevivência política — é um dos maiores responsáveis pelo descrédito da política entre os eleitores. Partidos deixam de ser ferramentas para o desenvolvimento coletivo e passam a funcionar como máquinas de manutenção de poder. Escolhas de candidatos e estratégias de campanha muitas vezes não refletem compromissos com as pautas do partido ou as demandas da sociedade, mas sim acordos que garantam benefícios financeiros ou políticos para as lideranças.

No PV, a disputa entre as chapas “Somos a Nova Maioria” e a chapa situacionista revelou esse cenário. Fiz parte da Somos a Nova Maioria por acreditar que o debate sobre a política interna dos partidos é fundamental para a democracia. A proposta era clara: promover maior transparência, inclusão e representatividade no partido, reconectando-o às suas bases militantes e aos setores da sociedade que ele pretende representar. Apesar de conquistar 40% da nova Executiva Nacional, a chapa enfrentou um processo repleto de desafios, incluindo alegações de violações ao estatuto e um impasse sobre a judicialização do resultado.

O Caráter Híbrido dos Partidos e a Necessidade de Reformas

Um dos problemas estruturais que dificultam mudanças dentro dos partidos políticos é seu caráter híbrido, transitando entre o público e o privado. Enquanto empresas privadas têm regras claras para afastar gestores ineficientes, os partidos operam em uma zona cinzenta onde a perpetuação de lideranças é facilitada pela falta de critérios objetivos e transparência. Essa característica anômala contribui para a manutenção de dirigentes que priorizam a autopreservação em detrimento da renovação.

Figuras como Penna, no PV, e Kassab, no PSD, exemplificam esse fenômeno. Ambos são lideranças experientes que, por meio da adaptação às regras do jogo político, conseguiram se perpetuar no poder. No entanto, a questão central não é apenas substituir lideranças, mas repensar o funcionamento dos partidos como instrumentos democráticos.

O Papel dos Partidos e o Desafio da Representatividade

A política precisa retomar seu propósito original: ser uma ferramenta de representatividade e transformação social. Para isso, os partidos devem adotar práticas genuinamente democráticas, incluindo:
1. Maior transparência nos processos internos, com a adoção de mecanismos que impeçam a manipulação de votos e brechas regimentais;
2. Democratização do financiamento e das decisões estratégicas, para evitar que interesses financeiros se sobreponham às pautas partidárias;
3. Aproximação com as bases militantes, ouvindo as demandas da sociedade e promovendo debates inclusivos e plurais;
4. Renovação periódica das lideranças, por meio de critérios claros e objetivos, que permitam a entrada de novos atores políticos.

Por Que Não Há uma Ação Suprapartidária?

Diante desse cenário, cabe perguntar: por que não há uma ação conjunta suprapartidária para resolver esses problemas? A resposta talvez esteja na própria estrutura do sistema político, que incentiva a perpetuação de práticas fisiológicas e dificulta mudanças estruturais. A ausência de uma coalizão entre partidos para promover uma reforma política reflete um pacto implícito das lideranças em preservar o status quo.

No entanto, é justamente nesse ponto que a sociedade precisa intervir. Embora o Congresso Nacional enfrente uma crise de credibilidade, uma reforma política séria só será possível com a pressão popular e a articulação de movimentos sociais que transcendam os interesses das lideranças partidárias.

Essa reforma deve incluir:
• Critérios objetivos para a renovação de dirigentes, eliminando práticas que perpetuem o poder;
• Mecanismos de participação popular, como plebiscitos e referendos, para fortalecer a relação entre eleitores e representantes;
• Redução das alianças fisiológicas, incentivando maior transparência e compromisso com programas políticos consistentes.

O Caminho para uma Política Democrática

A Convenção Nacional do PV não é um evento isolado; ela reflete um problema maior que atravessa todo o sistema partidário brasileiro. O desafio não é apenas corrigir as falhas dentro de um único partido, mas transformar os partidos políticos em espaços verdadeiramente democráticos, que priorizem o desenvolvimento do país e o bem-estar da população.

A política só terá relevância para os eleitores quando os partidos deixarem de ser máquinas eleitorais e se tornarem instrumentos de representatividade e transformação. Essa é a essência da democracia que precisamos resgatar. E o primeiro passo é reconhecer que mudanças estruturais não são apenas desejáveis — são indispensáveis.

Valéria Monteiro Jornalista.

Valéria Monteiro Jornalista.

27/01/25
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